Moradores do Complexo de Manguinhos convivem com descaso na coleta de lixo ao redor de todo território, amontoamento de resíduos sólidos em locais de descarte e negligência na logística especial de coleta para comunidades
Por Caio Oliveira (@caioqncai) e Diego Ignácio (@dyegoignacio)
Sabemos bem que o tratamento do lixo não é homogêneo em todos os locais. Isso fica evidente em diferentes zonas da cidade do Rio de Janeiro. Em sua última edição, o jornal Fala Manguinhos! falou sobre o racismo ambiental que afeta o território de Manguinhos. Basta um passeio na zona sul da cidade (em Copacabana, por exemplo) e em outros locais empobrecidos (como é o caso de Manguinhos) para notarmos a diferença no tratamento da coleta dos resíduos sólidos. O bairro turístico conhecido como “Princesinha do Mar” tem mais de 160 mil habitantes, e é difícil encontrar lixo acumulado a céu aberto pelas ruas. Já na dita “Faixa de Gaza” (forma preconceituosa como a mídia hegemônica rotula nosso complexo de favelas, onde vivem cerca de 40 mil pessoas – e, portanto, onde é produzido consideravelmente menos lixo), a situação é bem diferente.
Estivemos na área de lazer da Biblioteca Parque Marielle Franco para ouvir moradores sobre a coleta de lixo no local, e como isso afeta essa área de convívio e lazer que fica bem ao lado de unidades de saúde, como a Clínica Victor Valla e UPA de Manguinhos. O espaço acumula lixo dos moradores dos prédios residenciais que ficam ao redor, atrapalhando o trânsito dos pedestres e a execução de atividades físicas. Luiza Peixoto, moradora daquela região de Manguinhos, frequenta projetos de saúde no local e lamenta a situação: “Aqui era tudo tão limpinho, era uma horta. E hoje tá aí, só sujeira e lixo. Fica feio, né? Eu acho que essa parte da Comlurb está deixando muito a desejar”. O aposentado Sidnei da Silva Pereira mora nos prédios próximos à Biblioteca e também critica a atuação do órgão da prefeitura responsável pela limpeza urbana no Rio. “Largam tudo pelo chão, e ali fica uma montoeira de lixo. Se chove, vira um lamaçal, um mosquiteiro. Fica essa bagunça toda, isso fede, tem um cheiro ruim aqui. A Comlurb saiu daqui ainda agora, mas isso estava dessa altura [mostrando com as mãos a altura do monte de lixo], ainda deixaram isso ali”, disse o morador, apontando para os lixos em meio ao passeio.

Problema de saúde pública
O acúmulo de lixo nas vias públicas é mais que um incômodo, é um risco direto à saúde da população. O lixo acumulado é um ambiente propício para a reprodução de animais e insetos que transmitem doenças, como ratos, baratas e mosquitos, e também libera substâncias que podem contaminar o solo e a água. “O lixo exposto tem resíduos contaminantes, então qualquer pessoa que tiver contato direto com ele, pode se contaminar. Outra forma de contaminação são os animais que têm contato com aquele lixo e, ao voltarem para suas casas, podem transmitir doenças para seus tutores também”, explica o engenheiro ambiental Fábio Monteiro. Segundo ele, até materiais que parecem mais inofensivos podem ser perigosos. “A garrafa pet, por exemplo. Ela por si só não causa doença nenhuma. Mas o descarte inadequado dela pode acumular água parada e gerar vetores, como o mosquito da dengue e da chikungunya”, completa Fábio. Por isso, o descarte adequado do lixo é essencial para combater a proliferação de doenças em Manguinhos.

Posição da Comlurb
A Comlurb afirma que realiza uma logística especial para limpeza de comunidades. Em seu site, a companhia diz que “atende a todas as comunidades com coleta domiciliar diariamente e, em algumas, até duas vezes por dia. Nas áreas em que não tem possibilidade de os caminhões trafegarem, disponibiliza em pontos estratégicos contêineres ou caixas metálicas de alta capacidade para que a população possa colocar os resíduos. A rotina da limpeza dessas caixas também é diária e alguns pontos mais de uma vez por dia”. Manguinhos se encaixa na situação acima, e por isso não há nenhuma rota de coleta domiciliar de lixo na favela, somente nos entornos. Dentro da comunidade, são os garis comunitários que realizam incansavelmente a limpeza diária e levam os resíduos para o entorno da comunidade, onde passam (ou deveriam passar) regularmente os caminhões de coleta regularmente.
Apesar desse esforço, são vários problemas que se acumulam, assim como o lixo: não há caçambas suficientes, a limpeza das caçambas não ocorre com a frequência que a Comlurb informa, e em muitos lugares da favela, nem caçamba tem mais. É o caso, por exemplo, do Conjunto dos Ex-Combatentes, onde o lixo se acumula a céu aberto depois que a caçamba foi retirada em definitivo do local.
Posição da Associação de Moradores
Segundo a presidente da Associação de Moradores do CHPII, Aline Pimentel, a Comlurb retirou algumas caçambas em Manguinhos prometendo aumentar a frequência dos caminhões de coleta, mas isso não aconteceu. “Tiraram a caçamba, mas e daí? Foi tudo ilusão. Ouvi dizer que diminuíram o efetivo da Comlurb e, claro, nós das comunidades fomos os primeiros a serem descartados. O caminhão continua passando poucas vezes por semana, e não dá vazão. Ficou bem complicado”. Ela acredita que uma solução seria a instalação de mais Ecopontos em Manguinhos, como já existe no Mandela. “Nossa comunidade é enorme e os moradores iriam colaborar [com os Ecopontos]. Eu e outros presidentes de associações de moradores criamos uma comissão e já demos a ideia, inclusive disponibilizamos os lugares. Agora só estamos esperando a Comlurb fazer isso para ver se minimiza o impacto do lixo, principalmente quando tem chuva e enchente”, completa. Aline afirma que deve começar um abaixo assinado para cobrar uma solução da Comlurb.
A Comlurb foi procurada pela equipe do Fala Manguinhos!, mas não respondeu ás perguntas que enviamos.

Denuncie!
Ter serviços públicos prestados com eficiência é um direito de todos os cidadãos, e denunciar o que não funciona pode contribuir para que a situação melhore de forma rápida. Pra isso, basta ligar para 1746 e fazer o seu relato, sempre o mais completo possível – e pode ser anônimo, se você quiser. As denúncias também podem ser feitas pelo portal www.1746.rio.Caso o problema não seja resolvido, é possível recorrer à Ouvidoria e demonstrar sua insatisfação com uma solicitação feita à Prefeitura, mas não resolvida. Nesse caso, o caminho também é ligar para o 1746 ou acessar OUVIDORIA.