COLUNA: Delicado (por Edu Soares)

Mulher negra, grávida sentada no sofá sonhando acorda com jujuba coloridas

Delicado é uma espécie de jujuba dura, colorida, com gosto de açúcar misturado aos vistosos corantes. Guloseima comum nos anos 90, caiu no esquecimento do povo ante o surgimento de trocentos doces que ainda seguem na modinha.

por Edu Soares (@mr.edu.soares)

Pena que minha esposa não se atualiza e segue presa aos gostos do século passado.

Explico: ela engravidou. De gêmeas, Amora e Mel. Nossas primeiras filhas.

Até ontem, restando duas semanas para o fim da gestação, Tina – minha esposa – teve
desejos maravilhosos. Doce de leite com batata frita, galeto com geleia de mamão,
hambúrguer do McDonald’s com esfirra doce do Habib’s e sopa de morango com chuchu foram algumas dessas pérolas que um dia a gastronomia europeia venderá pelos olhos da cara.

Para ficar melhor, tudo isso está angelicalmente acessível. Pense: não é raro encontrar doce de leite, batata frita, galeto, geleia, hambúrguer, doce de fast food, morango e chuchu.

Mas Tina cismou com o tal Delicado.

Eu tentei negociar. Ofereci um quilo de jujubas. Ela foi enfática: “você quer que suas filhas nasçam sob o signo da enganação?” Meu argumento não chegou à segunda linha.

Fiz o possível para demovê-la daquela ideia. Seu furor gestacional seguia calibrado: “Existe a possibilidade de as meninas herdarem sua pouca perseverança! Pense nisso!”

Eu pensei. Ah, e como pensei. Tanto que pedi uma semana de dispensa no trabalho e rodei o mundo atrás do Delicado. Isso não feito em casa. Nenhuma boleira conhece a receita do trambolho. Nenhuma Youtuber metida a Ana Maria Braga se atreve a preparar o traquimbóquio colorido. Das pouquissíssimas coisas que o Google não encontra, está a receita do trambócio. Tive a sensação de que é mais fácil descobrir a fórmula da Coca Cola do que desvendar o irritante mistério indelicado do Delicado.

Recorri às fábricas de guloseimas. Cansei de ouvir o seguinte: “Delicado? As produções pararam na virada do século vinte por falta de procura”.

Isso me deixou irritado, porque os demais doces continuam vendendo bastante, para alegria dos nutricionistas e dentistas que veem um aumento contínuo da clientela.

Impossibilitado de encontrar o fofusmócio adocicado, levei pão de mel, algodão doce, paçoca, pé de moleque, pé de moça, beijinho, brigadeiro, sorvete e bolos de pote para minha digníssima. Ela doou tudo.

Mesmo em janeiro, mandei fazer maçã do amor, pamonha, curau, canjica, arroz doce, cuscuz branco e quebra queixo. Ela entulhou o freezer com essas coisas, sob o argumento de que “se deixar o chinelo emborcado não é bom, comer doces típicos fora de época é pedir para ter setenta anos de azar.”

Comprei pavê, queijadinha, pudim, fondue de chocolate suíço, sonho, cavaca, torta alemã, quindim, palha italiana e paleta mexicana. Os donos das padarias do quarteirão começaram a me chamar de amigão, salva-vidas, bom companheiro, cliente VIP. Virei confidente e patrocinador do doceiro que mal abriu a loja e já comprou um carro zero às minhas custas. Legal, mas tudo isso teve resultado? Teve, claro. A patroa ignorou os quitutes da mesma forma como você, querido(a) leitor(a), ignora suflê de jiló.

Ah, não aguentei. Minha sensibilidade pré-paternal falou mais alto e caí no choro. Restando um dia para o nascimento das gêmeas, estava me sentindo o pai mais imprestável do mundo. Com pena de mim, aquele doceiro do carro zero – que já tinha quitado a casa graças ao meu patrocínio involuntário – entregou-me uma caixa bonitinha com doze suspiros.

  • Isso tem algum simbolismo? – perguntei-lhe.
  • Não. É que eles vão vencer amanhã.
  • Agradeço ou quebro o vidro frontal do seu carro?

Por via das dúvidas, fiz as duas coisas.

Cheguei em casa com a tal caixa. Tina estranhou.

  • Ué, você detesta suspiro.
  • Ganhei do doceiro. Ele disse que os mimos vão… – nesse instante a lâmpada da sinceridade brilhou forte, dando vez e voz à derradeira fagulha de criatividade que restava no meu juízo.

Continuei:

  • São feitos com requinte e sofisticação. Receita francesa! Mas devem ser apreciados até amanhã!
  • Nossa! São tão bonitos. E delicados!
  • É, são delicados. Hã?? São?? Isso!! Delicados!! Taí o que você quer!

Pronto. Vencida pelo cansaço, ela aceitou os doces. Não eram os benditos delicados de jujuba dura, mas tinham em comum basicamente – e delicadamente – o mesmo sabor de açúcar colorido. O que no fim das contas, é a mesma coisa.

mini biografia de Edu Soares

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